“A estrutura atual da Vida Religiosa não nos conduzirá ao amanhã”
POR RUBÉN CRUZ
Tradução: Rosinha Martins
A expressão é do teólogo e superior geral dos Carmelitas Descalços, Miguel Márquez, durante a 52º Dia da Vida Consagrada realizada de 12 a 15 de abril, em Madrid, Espanha.
O religioso iniciou sua fala convicto de que não foi chamado a participar da Jornada por ser superior geral dos Carmelitas. “Certamente fui chamado devido a esta doença incurável que me habita, que está comigo desde o início da minha vocação: um optimismo pouco saudável, uma esperança invencível de pés descalços e mãos vazias. Um dom que não fabriquei, mas que vivo como uma graça”, disse ao apresentar-se.
O Carmelita organizou uma conferência muito rica, confrontando - no melhor dos sentidos - São João da Cruz e São Paulo. Talvez tenha deixado mais perguntas do que respostas, mas deixou claro que “Cristo é a nossa esperança”, como diz o título da sua palestra. “Há alguma família religiosa na Igreja que não tenha nascido no coração da crise e da tempestade?", perguntou. “Não sei se existe um místico ou um santo que não tenha sido esculpido e desenvolvido no terreno da vulnerabilidade, dos fracassos e das perseguições”, prosseguiu.
Para Márquez, por muito crítico e tenebroso que seja o presente, tem no seu interior uma semente de vida insuspeita. “Por esta razão, com todos, assumimos a necessidade de um êxodo obediente. Um tempo de audácia e coragem na fragilidade e vulnerabilidade”.
Frei Márquez dividiu seu discurso em cinco partes: O que nos separa do amor de Cristo; Onde te escondeste;3. Á procura dos meus amores: uma ferida de amor; O veado ferido, através da colina; O sol nasce: o piscar de olhos de Deus na nossa terra hoje.
Quem nos separa do amor de Cristo?
“Serão as dificuldades da vida realmente a razão e justificação da nossa falta de paixão, alegria e luminosidade? Ele lançou de novo uma pergunta no ar: “Como se vive no coração de Covid, no território da guerra na Ucrânia e em qualquer guerra, e no meio das ruínas de um país devastado pela guerra e pela destruição?”
Segundo Márquez, “esta insegurança em relação ao futuro marca a questão da esperança no nosso tempo: onde se encontra o permanente no provisório?
Porque me abandonaram... Basta! Onde se escondeu...
“A Noite não pode ser bem interpretada em todas as épocas da história, sem passar pelo não-vidente. Um perigo pode ser não levar a cabo os processos adequados de morte e vida. Em tempos de crise há também a tentação da segurança, força e verdade inquestionável, fórmulas mágicas e a busca de milagres e aparições. Humildade e escuta são o caminho do buscador”, apontou.
E perguntou a si mesmo: “Para respeitar este silêncio de Deus, para O deixar ir, para que Ele possa regressar como deseja, para aprender a pedagogia sem precedentes da amizade com Deus, para ousar a noite, para ousar o silêncio, o silêncio das não palavras, das não receitas, para ousar o desconhecido de Deus, para se deixar ferir?
Estou muito comovido com a experiência de Deus, sempre a ser descoberta, pela insistência dos místicos, dos mestres, que não os imitamos, nem repetimos o seu caminho, mas que ousamos descobrir... onde os livros, os mestres, as ideias não vão, em pura confiança, sem nunca fazer sem a ajuda e a companhia humilde dos nossos irmãos e irmãs. Experiência não escrita".
Em busca dos meus amores: uma ferida de amor...
“A experiência da ausência e da ferida do amor não deixa a pessoa presa na sua dor, lambendo a ferida. Pelo contrário, abre-os para se deixarem surpreender, mesmo que este novo começo lhes custe a vida. A busca nasce sempre de uma ferida, a ferida essencial é uma ferida de amor e solidão, que põe em movimento a busca, a peregrinação constante para casa, o amor, o tesouro”, disse.
Além disso, “a aventura nasce sempre da ferida da ausência, de um buraco de vazio no coração que foi numa aventura para onde não soube, independentemente dos riscos e perigos”.
O cervo ferido, a espreitar da colina
Para Márquez, a Vida Religiosa e a Igreja têm três problemas principais: a visão da realidade, a estrutura e a comunhão.
Realidade: “Temos um problema de realismo, grande dificuldade em perceber a realidade, sem a domesticar, sem a sublimar. A esperança nasce no coração da realidade, não no idealismo ou na ideologia. Tenho a impressão de que a nossa Vida Religiosa tem um problema sério com a realidade. É muito difícil para nós ver, mesmo que pareça óbvio. Se víssemos a realidade, ela nos levaria a mudar, a um êxodo, a uma humilde transformação. A esperança habita a nossa terra, ela conta com a nossa autenticidade”, afirmou.
Estrutura: “Esta concha, esta estrutura atual da Vida Religiosa, não durará como está. E não devemos arrepender-nos disso. Não será a estrutura que nos conduzirá ao amanhã”. Temos demasiada armadura e medo, falta-nos frescura e confiança”.
Comunhão: “Tenho a impressão de que no nosso planeta Igreja ainda não entramos neste desafio de comunhão na diversidade, preconceituosa e enraizada em posições enraizadas, sem a possibilidade de comunhão profunda, para além das diferentes roupagens: Direita-esquerda, liberal-tradicionalista, Benedito-Francisco, etc. A partir daqui apelo a este desafio de comunhão que atravessa fronteiras e abraça na diferença e na verdade, a alma e a essência das pessoas e das instituições. Quando um carisma é bom e saudável, ele cria comunhão. Quando uma instituição na Igreja é insalubre, cria divisão e sente-se acima dos outros. O Espírito não faz um santo ou uma congregação sentir-se melhor do que os outros. É um detector contra o vírus da arrogância institucional”.
Nascer do Sol: o piscar de olhos de Deus na nossa terra hoje
“Neste sentido crescente de pobreza e impossibilidade que experimentamos, a escuta atenta de mensageiros inesperados traz sempre a medicina, um bálsamo não procurado. O caminho está sempre para além das nossas forças, e a lanterna, a vitamina ou o instrumento mais necessário não está na mochila que preparou para si próprio...”, afirmou.
Márquez concluiu o seu discurso apelando à esperança: “O melhor ainda está para nascer aqui, enquanto que o que percebemos é uma mudança de época, da qual não nos devemos arrepender. Não temos um problema de vocações, nem de números, nem de força... precisamos de frescura, esperança e realidade. A nossa esperança não é em vão”.
E sublinhou: “A Igreja e a Vida Religiosa abrem-se para uma vida a ser vivida pela primeira vez, num túmulo vazio, na cruz e na manjedoura: morrer, sofrer, nascer a cada passo. Pois em tudo Ele conquistou e conquistará, e por isso conquistamos facilmente, “’através d'Aquele que nos amou’”.
Fonte: VidaNueva
Commentaires