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Foto do escritorRosinha Martins

A viagem do peregrino Francisco em 10 anos de pontificado



Glória Liliana Franco Echeverri, odn *


Na noite de 13 de Março de 2013, devido a essas coisas inexplicáveis que acontecem na vida, encontrei-me na Praça de S. Pedro. Estava rodeada por milhares de pessoas, éramos uma mistura de nacionalidades e culturas, de línguas, idades e visões; a noite caía, por vezes aproximava-se uma leve chuva e podíamos ver um pombo insistente a esvoaçar através das colunatas da praça.


Reunimo-nos todos em torno de uma canção comum. Cantamos, repetidamente e em latim, no melhor estilo Taizé: “Magnificat, magnificat, magnificat anima mea Dominum”. Os nossos rostos mostraram um anseio, queríamos que a noite terminasse com boas notícias. Esperámos, agarrando-nos à certeza de que o nosso Deus nos toma pela mão.


De repente, o Cardeal Protodeacon apareceu com o anúncio esperado: “Habemus papam”. Houve silêncio, e o eco de um nome, Bergoglio, reverberou por toda a praça e nos corações de milhões de pessoas em todo o mundo.


Após alguns segundos, a figura sorridente do escolhido apareceu na varanda e deu-nos uma muito necessária dose de bom humor, dizendo sem hesitação que os seus irmãos cardeais tinham ido à procura do Papa quase “no fim do mundo”. A praça estava cheia de gargalhadas e alegria.


Um bispo para Roma


Ele não se vangloriou, posicionou-se simplesmente como bispo de Roma. E a primeira coisa que ele fez foi rezar pelo bispo emérito, Bento XVI. A sua breve saudação já continha todos os elementos da sua reforma imparável: ele disse que uma viagem estava para começar, unindo bispo e povo, uma viagem de amor e confiança. Convidou-nos a rezar, a pedir uma grande fraternidade e, antes de dar a sua bênção, permitiu-se ser abençoado.


George é o seu nome, de formação inaciana, franciscano em sua escolha, radicalmente evangélico em seu estilo. E durante estes dez anos do seu pontificado, confrontou-nos com a reforma necessária, não aquela que surge ao ritmo dos líderes do momento, mas aquela que nasce da escuta fiel do Espírito e dos sinais dos tempos.


A sua viagem não tem sido sem sofrimento, tem sido pascal, porque é assim a vida. Coube-lhe liderar em tempos de crise, quando as caravanas de migrantes, com a sua esperança a reboque, estão a transformar o mapa da coexistência no mundo.


Em tempos de pandemia, de incerteza repetida; com a guerra entrincheirada em diferentes fronteiras da terra; no meio da tão diagnosticada mudança de época, que exige que todos nós repensemos as respostas e imaginemos que outro mundo é possível.


Um homem de oração


A sua história, o seu contexto, o seu tecido vital, deram a Francisco a sua própria forma de ser, de se situar, de interpretar a realidade. O Papa é acompanhado pela convicção de que Jesus chama e confere missão. O seu estilo apostólico é sem dúvida o fruto do que o Espírito lhe sussurra, porque ele é um homem de oração, um daqueles que se levantam cedo e procuram insistentemente a vontade de Deus.


Sabendo-se chamado e consciente de que seguir Jesus implica uma contínua conversão, há dez anos que se compromete a levar a Igreja a regressar, sim, a regressar a Jesus como um ato de autêntica fidelidade. A sua intenção tem sido que o Evangelho esteja no centro, que o mais genuíno do espírito que animou o Concílio Vaticano II ressoe de novo, que nos reconheçamos numa eclesiologia que se configura ao ritmo do Espírito e na escuta do Povo de Deus. Voltando como uma forma de nos ancorarmos no que é definitivo, no que é o fundamento da vida e define a identidade.


Regressar significou renovar. Encorajar os crentes a tornar possível a reforma das mentalidades, das estruturas, das formas ultrapassadas, mas, sobretudo, das atitudes, de tudo aquilo que nos afasta da vontade de Deus para o seu povo. O seu apelo tem sido implacável à conversão, aquilo que surge da escuta e que se realiza na vivência de quatro sonhos: o social, o cultural, o ecológico e o eclesial.


Chamado ao encontro


O seu magistério chama-nos ao encontro: com a realidade, com o outro, com o completamente Outro; e isto supõe receptividade, acolhimento, hospitalidade... Superar o narcisismo e viver da lógica da compaixão, na qual há sempre lugar para os outros. O encontro como forma de regressar ao que é fundamental, ao que é gestado nas profundezas.


O caminho da sua vida tem sido o caminho da sua fé. E o encontro com Deus encarnado moldou o seu coração, fazendo dele um crente que está ao serviço do que humaniza. Não há dicotomia: fé e vida são em Francisco uma unidade que o define como um pastor empenhado na construção do Reino de Deus, na dignificação, na elevação, no trabalho para o desenvolvimento humano integral.


Neste 'kairos' eclesial, Francis quis recordar-nos que este é um momento privilegiado de encontro. Ele convida-nos a voltar ao que é mais autêntico na nossa relação com Deus e uns com os outros.


Olhar para Deus


Na sua peregrinação através da espiritualidade inaciana, o Papa certamente repetiu muitas vezes: “Dai-me o vosso amor e a vossa graça, pois isso é suficiente para mim”. E talvez conheça aquele poema em que Tagore, com eloquência radical, expressa: “Deixai-me apenas o pouco de mim com que vos possa chamar o meu tudo”. Vimo-lo caminhar com os olhos fixos em Deus, agarrado à certeza de que Ele é o Absoluto, o “sempre maior”, e de que tudo o resto é relativo. A liberdade com que o vimos viver e situar-se só pode fluir de uma experiência radical de encontro com Jesus Cristo.


O movimento da Igreja durante estes dez anos tem sido marcado por múltiplas contradições, tensões latentes e opositores abertos ao magistério do Papa. Os conflitos não têm faltado e, no entanto, ele permanece senhor de si mesmo, dotado de sanidade, serenidade e discernimento lúcido, e isto só pode fluir da confiança em Deus. Ele é a fonte da sua paz. (...)


* Glória Liliana Franco Echeverri, odn é presidente da Confederação Lationoamericana e Caribenha de Religiosos e Religiosas (CLAR).


Fonte: Vide Nueva

Tradução: Rosinha Martins

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Sou Rosinha Martins, missionária scalabriniana.

Atuo no jornalismo, na educação, na acolhida, promoção, proteção e integração de migrantes

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