“A vida de Jesus é interpretada pela lente de quem o matou e temos que denunciar isso”
A Bíblia tem cheiro de quilombo, mas há séculos e milênios é interpretada pela casa grande. Mas nós vamos invadir a casa grande” (Henrique Vieira)
Lançamento do livro "O Jesus negro, o grito antirracista da Bíblia". Foto: Rosinha Martins
POR ROSINHA MARTINS
Lançado nesta segunda-feira, 05 de junho, na Livraria da Vila, na Vila Madalena, SP, o livro ‘Jesus Negro - o grito antirracista da Bíblia’ é uma versão crítica e ousada da história de Cristo, escrita pelo ator, pastor e deputado federal, membro da Comissão mista da CPI dos Atos golpistas, Henrique Vieira. O objetivo do escritor é desconstituir o Jesus branco, de olhos azuis imposto como único representante possível do Nazareno. “Pela vida que teve, pelo corpo que tinha, pelas opções que fez, não deram a ele uma coroa, mas uma cruz. E ele morreu sob o aplauso religioso, sob a legalidade do Estado e sob a fúria de parte da população que dizia que ele merecia morrer, como uma espécie de faxina étnica e religiosa.”, disse Vieira durante o lançamento.
Presente no lançamento, o professor, psicanalista e deputado federal, Guilherme Boulos (Psol), em entrevista ao RM notícias, disse que o significado de um lançamento como este está no enfrentamento à intolerância. Para ele, fé e a religiosidade que o ser humano cultiva e cultivou em todas as épocas da história não pode ser marcada por ódio, intolerância, preconceito como alguns que, em nome da religião praticam o fundamentalismo. “O pastor Henrique é um contraponto a isso e o lançamento desse livro é muito importante para se entender que religiosidade está longe de ser o contrário do que defendemos como liberdade, tolerância, diversidade e combate à desigualdade social”.
Para a jornalista Natália Blanco, um livro dessa envergadura “traz um sentimento de um ver o senso de justiça alimentado coletivamente acontecendo. No período Bolsonaro, a extrema direita se aproximou do discurso religioso, instrumentalizou a fé das pessoas. A sensação é de fôlego, de estar saindo do inferno como afirmou o padre Lancellotti”, disse.
Conhecido por sua luta e defesa dos direitos dos povos da rua, o padre Júlio Lancellotti, também presente no lançamento do livro do pastor Henrique, falou sobre a importância de lançar um livro como este no contexto de Brasil atual. “Este lançamento nos ajuda a entrar com mais coragem para essa luta e não há luta sem conflito e não se supera o racismo estrutural sem enfrentar os sentimentos religiosos. Jesus era negro mesmo”.
O líder religioso do Centro Islâmico Fátima Zahra, o Sheikh Rodrigo Jalloul, filho de libaneses, nascido numa cidade vizinha da vizinha da Síria e da Palestina, acredita que é impossível encontrar pessoas brancas e dos olhos azuis naquela região. “Jesus não era de países africanos, mas era um homem de pele escura, com certeza”, afirma.
Ainda, segundo o Sheikh ter um livro chamado ‘o Jesus negro’ é algo conflitivo, de enfrentamento com relação à crença de muitas pessoas. “Como as pessoas aceitam um Jesus branco sem se questionarem a respeito das origens do seu povo?”, questiona. E acrescenta que “é fundamentado nos fatos verídicos do povo daquela região que chegamos à conclusão lógica de que Jesus não era branco, de olhos azuis”.
A deputada estadual, Simone Cristina de Oliveira (DC), acredita que o pastor Henrique tem tido uma missão de diálogo sobre temas importantes na sociedade atual, em um país que acabou de completar 135 anos de uma abolição que não significou, segundo ela, cidadania plena para a população negra e que, infelizmente, ainda mata um Jesus negro a cada 23 minutos pelas atuais forças do Estado, semelhante ao mesmo Estado racista que Jesus viveu e sentiu na pele até a morte. “Ele lançou ‘amor como revolução’ e agora ‘o Jesus negro num país de maioria negra que segue legitimando o genocídio contra a nossa população. Creio que, para a nossa população que acredita no cristianismo, é fundamental que façamos o debate numa perspectiva racial para questionar aqueles que não conseguem enxergar este Jesus negro no dia a dia”, enfatiza.
Sobre o autor do livro ‘o Jesus negro, o grito antirracista da Bíblia
Pastor Henrique Vieira é teólogo, pastor, ator, pesquisador da arte do palhaço, professor, cientista social, historiador, escritor e deputado federal eleito pelo PSOL/RJ. Pastoreia a Igreja Batista do Caminho. Atuou no filme Marighella com direção de Wagner Moura e é autor dos livros ‘O amor como revolução’ e ‘Jesus da gente’.
Veja imagens do lançamento: Fotos: Rosinha Martins
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