top of page
Foto do escritorRosinha Martins

O racismo na apropriação da imagem de crianças negras

A REDAÇÃO



A imagem mostra uma criança negra desenhada em um muro laranja. Sobre o muro, anda um gato preto. A imagem ilustra matéria sobre racismo estrutural no uso indevido de fotos.

Foto: Imagem: Dora Lia/Alma Preta Jornalismo / Alma Preta


Foi por meio das redes sociais que a artista visual e professora Marina Oare, 36, mãe de uma criança de dois anos, soube que a imagem de sua filha foi utilizada na obra de uma grafiteira. O caso se soma ao que aconteceu há poucos meses com o filho da empresária e ialorixá Preta Lagbara, que teve sua imagem tatuada no corpo de um desconhecido. Nas duas situações não houve autorização dos pais das crianças e nem dos fotógrafos para o uso das imagens.


A artista Marina Oare conta que o grafite com a imagem de sua filha foi realizado em 22 de janeiro deste ano nos muros de um conjunto habitacional no Jardim Matarazzo, na capital paulista. A produção fez parte do projeto de um coletivo dedicado ao fortalecimento de mulheres, o Grapixurras. "No Instagram, passando o feed, encontrei um vídeo do processo de produção do grafite em que mostra a foto da minha filha, com a grafiteira fazendo o stencil, que é o molde, e depois a arte", relatou Marina à Alma Preta Jornalismo.


A foto da filha dela foi retirada de um arquivo com imagens coletadas em um projeto chamado "Art'Revitalização", em que as duas artistas (Marina e a grafiteira) estiveram presentes e se falaram pela primeira vez. No entanto, o uso da imagem da criança para o grafite não foi autorizada.


"Eu fiquei muito incomodada, a chamei no direct para conversar. Foi uma conversa que, à princípio, parecia se resolver facilmente, mas depois ficou bem desconfortante, porque ela se apoiou dentro da branquitude dela, da arte dela, de que não é uma pessoa ignorante", conta a mãe da criança em vídeo publicado nas redes sociais.


Segundo Marina, a conversa piorou à medida que a grafiteira dizia que também era professora e que tinha a pauta negra dentro dos seus trabalhos educativos. Ela se recusou a apagar a obra com o argumento de que era uma homenagem e buscava a representatividade negra.


Segunda a mãe 'eu não posso tirar [o grafite], porque eu preciso de autorização, mas se você quiser ir lá, apagar, passar uma tinta preta, fazer disso uma bandeira e, se for frutífero pra você, vai lá e faça'. Ela falou de uma forma sutil, foi agressiva passiva", relatou também a mãe da criança.

"Eu fiquei muito machucada, ferida psicologicamente. Ela fez uma agressão passiva dentro do privilégio branco dela. Pegou a imagem de uma criança que não conhece e que teve apenas um encontro com a família. Ela precisava, sim, de autorização e ela não levou isso em consideração. Ao meu entender, ela fez uma desumanização", destaca Marina.


A família da artista visual optou por não revelar publicamente o nome da grafiteira. A Alma Preta Jornalismo também entrou em contato com a mulher envolvida no ocorrido com pedidos de posicionamento. Até o fechamento do texto, uma resposta não foi enviada. Em um último contato, a grafiteira disse que leria a matéria, veria o que seria falado e iria procurar também um advogado, já que estava sozinha nessa questão. O espaço permanece aberto.


Um caso semelhante e de grande repercussão nacional ocorreu em novembro de 2022 com a ialorixá e empresária Preta Lagbara, 42. Ela teve a imagem de seu filho, uma criança negra de 5 anos, tatuada no corpo de uma pessoa desconhecida. O caso foi descoberto depois que o tatuador Neto Coutinho ganhou em segundo lugar em uma categoria no prêmio internacional Tattoo Week pela tatuagem.


Nem os pais da criança, nem o fotógrafo da foto coletada, Ronald Santos Cruz, foram consultados sobre o uso. Preta Lagbara, segundo publicação da Folha de São Paulo, entrou com um pedido de indenização por danos morais ao tatuador e à organização do evento pelo ocorrido. O abalo psicológico e físico pela situação também foi comentado pela mãe.


"O que se trata é que ele não pode simplesmente achar que em pleno 2022 as pessoas ainda têm direito de pegar uma foto de uma criança aleatória e tatuar no corpo de alguém. Você pegar uma foto, levar para um concurso, e tatuar no corpo de alguém que nunca teve algum tipo de contato com a criança é um absurdo, é desrespeitoso, desumano. Meu filho não é um animal em zoológico", comentou Preta, segundo publicação do Uol.


Para Marina Oare, além da infração legal do não consentimento, esses casos também podem ser vistos sob a ótica do racismo. "A partir do momento que ela coloca a arte e o ego artístico dela à frente de tudo e as palavras dela nos fere, mesmo que pacificamente, com certeza é racismo. Nós sentimos isso. O ego dela artístico interferiu na humanidade da nossa filha. Se ela está dialogando sobre questões raciais, ela precisa entender que o que ela fez é errado e a forma como ela está dialogando está equivocada, porque é errado ela colocar a branquitude dela e as dores dela na frente da humanidade da minha filha, da minha enquanto mãe e a do meu esposo", relata à Alma Preta Jornalismo.


O escritor Tago Elewa, 37, pai da criança de 2 anos exposta no grafite, relata no vídeo publicado nas redes que a família preferiu, inclusive, procurar os meios legais para agir para que, na raiva e na indignação, a reação deles, como ir apagar o grafite ou revelar publicamente o nome da grafiteira, não fosse usada contra os próprios pais.


"Nós somos pessoas pretas no Brasil e a gente sabe que a nossa reação ao racismo é sempre utilizada contra nós. Então esse movimento que nós estamos fazendo é também no sentido de que dê um basta à ideia de que os nossos corpos e a nossa imagem é pública".


Há inclusive um paralelo que pode ser feito com imagens de pessoas negras que são utilizadas sem pedidos de consentimento quando se divulga iniciativas de voluntariado em localidades com alguma vulnerabilidade ou em campanhas de doação internacional.


O jornalista Dennis de Oliveira, militante da Rede Quilombação, comenta que, nesses casos, pode haver a naturalização da ideia de pessoas negras em condição de vulnerabilidade, de subalternidade, e que a sua condição só pode ser resolvida a partir do paternalismo de uma pessoa branca.


"Essa imagem é muito comum nas campanhas, inclusive internacionais, que sempre colocam crianças, jovens, adolescentes, mulheres negras em situação de miserabilidade enquanto pessoas brancas auxiliam. Isso acaba cristalizando as hierarquias raciais do ponto de vista da sociedade e esse tipo de propaganda acaba contribuindo para a naturalização do racismo".


Há muitos casos de pessoas negras expostas sem consentimento em situação de vulnerabilidade quando se divulga iniciativas de voluntariado e doação | Crédito: Reprodução/ Radi-Aid


Ainda de acordo com o jornalista, em alguns momentos, retratar uma imagem de sofrimento pode ser uma denúncia, até para sensibilizar a sociedade em relação àquela situação que está sendo vivenciada e demonstrar que é necessário fazer alguma coisa. Porém cada caso deve ser analisado.


"Quando se persiste nisso e se faz isso de forma recorrente, pode cristalizar a ideia de que o lugar daquele sujeito, pessoa, grupo social e étnico é naquele lugar de subalternidade. Por isso tem que ver caso a caso, sempre levando em consideração o que essas pessoas pensam disso".


Racismo é crime e, como tal, deve ser punido

Medidas legais cabíveis no caso do grafite e da tatuagem


Para Dennis de Oliveira, também professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e escritor do livro "Racismo Estrutural: uma perspectiva histórico-crítica", as situações ocorridas com as imagens das crianças no grafite e na tatuagem desrespeita a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que protege os dados pessoais e a imagem pessoal de crianças.


"Isso é uma ilegalidade e deve ser tratada judicialmente. E o racismo ocorre porque é a velha ideia de que a população negra está apartada dos códigos legais existentes", comenta.


De acordo com o advogado e professor João Batista de Oliveira Cândido, cofundador do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), é possível penalizar aqueles que tenham agido de forma discriminatória, com suas ações e atos, tanto na esfera civil, como na esfera penal. Porém, tudo depende da comprovação dos atos e fatos praticados.


O advogado observa nos casos a violação do direito à inviolabilidade da imagem prevista no artigo 17 do Estatuto da Criança e Adolescente. Além disso, ele destaca que o direito de imagem da pessoa humana tem proteção constitucional estabelecida na regra do artigo 5º, inc. X da Constituição Federal. No caso da tatuagem e do grafite, ele também observa que há a violação ao direito autoral dos fotógrafos, que fizeram as imagens que foram utilizadas sem permissão.


Segundo o cofundador do IBDFAM, a questão, portanto, tem solução na esfera civil, no plano do direito da personalidade, ensejando o direito à indenização em face da responsabilidade civil, indenização por dano moral e, dependendo da extensão do dano psicológico que exija tratamento, danos materiais.


Fonte: Alma Preta

Comments


Rosinha.jpeg

Olá, que bom ver você por aqui!

Sou Rosinha Martins, missionária scalabriniana.

Atuo no jornalismo, na educação, na acolhida, promoção, proteção e integração de migrantes

e refugiados. 

Fique por dentro de todas as notícias

Obrigada por assinar!

bottom of page